Córrego vira esgoto e agrava poluição fluvial em Simões Filho

Gestão Territorial
Data da Notícia
19/11/2017

 

Em Simões Filho, um córrego atravessa a cidade e passa por diversos bairros. O que antes era um rio, hoje é chamado por moradores de "esgoto a céu aberto". O mau cheiro o acompanha em todo o trajeto. É que o Muriqueira recebe esgotamento sanitário de grande parte da cidade até chegar ao seu destino final: a bacia do rio Joanes.

"A situação [do afluente Muriqueira] sempre foi essa. Nunca houve melhora. É um esgoto a céu aberto. Eles limpam, mas suja de novo. Ainda tem mosquitos contaminando a população", contou a auxiliar de serviços gerais Tânia Souza, 56, que desde os 5 anos mora na cidade, na região metropolitana.

A degradação desse afluente é o principal problema que o Joanes enfrenta no trecho em que o manancial margeia Simões Filho. A cidade é a quinta visitada por A TARDE na série de reportagens especiais sobre este manancial, responsável por cerca de 40% do abastecimento da água de Salvador, Simões Filho e Lauro de Freitas.

Além do Muriqueira, a possibilidade de instalação de um aterro sanitário na Área de Proteção Ambiental (APA) Joanes-Ipitanga é apontada por ambientalistas e moradores da região como mais um dos problemas que podem impactar na bacia do Joanes.

"O Muriqueira é, hoje, o maior impacto negativo sobre o Joanes. É um rio, mas foi transformado em canal porque existe muito esgotamento sanitário in natura, que é jogado diretamente nele de forma clandestina", afirmou o secretário de Meio Ambiente de Simões Filho, Elias Melo.

A maior parte das casas na cidade não tem esgotamento sanitário atendido pela Embasa. "Se você me perguntar quantos domicílios de Simões Filho são atendidos pelo esgotamento sanitário tratado, não saberia dizer. Talvez a Embasa não saiba, mas com certeza ela cobra", frisou Melo.

A TARDE procurou a concessionária e obteve a informação de que a cobertura de esgotamento sanitário da Embasa na cidade é de 28,2%. Como consequência, a destinação dos dejetos que não estão ligados à rede é feita, segundo a secretaria, de acordo com decisão de cada morador. O descarte, por meio de canos, é feito no solo, em fossas ou até mesmo diretamente no rio.

O município, no entanto, não tem um plano de saneamento básico. Segundo técnicos da secretaria de Meio Ambiente de Simões Filho, ele está sendo elaborado, mas não informaram prazo para finalização.

Sobre a fiscalização no Joanes, o secretário atribuiu responsabilidade ao governo do estado e à Embasa. "A legislação federal estabelece os rios estaduais e federais com seus gestores. A Embasa e o estado se eximem muito e jogam para o município porque é muito fácil. A maioria dos municípios não tem estrutura para poder fazer a fiscalização e nem tem o recurso necessário", disse.

Sampaio informou que a secretaria atua com sete fiscais. "O uso e ordenamento do solo cabe ao município. Da nossa parte, o que cabe é estabelecer um plano diretor. Assumimos esse ano e estamos reavaliando ele".

Para Sampaio, a APA tem poder limitado e seria necessário criar reservas e estações ecológicas com poder maior de preservação. O secretário criticou, ainda, o serviço de tratamento do esgotamento feito pela Embasa na cidade, por meio de aeração, e o considerou "insuficiente".

Ampliação

Por meio de nota, a Embasa informou que ampliará a cobertura de esgotamento de 28,2% para 45,2%, com investimento de R$ 40,2 milhões. O aumento será concluído em janeiro de 2019.

Sobre as residências não atendidas, a empresa frisou que, de acordo com a legislação de saneamento vigente, em áreas não atendidas com rede de esgotamento sanitário, moradores devem utilizar fossas sépticas para a destinação do esgoto doméstico.

Já sobre a aeração feita no município, a concessionária ressaltou que "é um tratamento amplamente utilizado pelas empresas de saneamento do mundo e atende às normas de engenharia sanitária e ambiental". Com relação à fiscalização, informou que "é de responsabilidade dos órgãos ambientais competentes".

Gestor da APA, Geneci Braz disse ao A TARDE, por e-mail, que o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) tem conhecimento da situação do Muriqueira e que o problema dele, e de outros rios localizados em zonas urbanas, é a "reduzida oferta" de infraestrutura de esgotamento sanitário nessas áreas.

"À medida em que os serviços de saneamento básico forem ampliados, os lançamentos de efluentes serão minimizados. No contexto da APA, não há ação especifica para o Muriqueira. São realizadas atividades educativas e informativas visando todo o contexto da bacia do Joanes, envolvendo representantes do Conselho Gestor e das comunidades".

O gestor informou, ainda, que, no caso de Simões Filho, é necessário que o município "intensifique ações de fiscalização" para evitar que as áreas de preservação permanente do curso d'água não sejam ocupadas por habitações informais. "É preciso também disciplinar o uso e ocupação do solo atendendo aos parâmetros estabelecidos no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do município".

Sobre as críticas feitas pelo secretário relacionadas à fiscalização, Braz disse que, de 2012 até hoje, foram realizados 48 atendimentos às denúncias sobre irregularidades no Joanes.

Lazer de moradores 

Em Simões Filho, o Joanes começa na região do distrito de Pitanga dos Palmares, divisa com as cidades de Candeias e Dias D’Ávila, no trecho da barragem Joanes II.  Ele não passa no centro da cidade. Em um trecho, próximo ao reservatório, há um área que lembra uma praia. Opção de lazer para moradores de diferentes cidades, ali, eles se banham e lavam seus carros. 

A reportagem de A TARDE visitou o local durante dois dias. Em um deles, vacas caminhavam dentro da água e defecavam às margens do rio. A poucos metros, alguns jovens tomavam banho. 

Em um outro dia, crianças brincavam na água, enquanto uma família fazia churrasco. Três carros estavam estacionados próximos à beira do rio.

O operador de empilhadeira Sivaldo Cardoso, 38, costuma ir à região para pescar e tomar banho aos finais de semana. Ele contou que tinha uma roça próxima ao Joanes, mas, por se tratar de uma área de proteção permanente, teve que mudar o local.

Cardoso lembrou que, dos doze anos em que mora próximo dali, 2017 foi o pior com relação ao nível do reservatório, que, segundo ele, baixou muito. 

“Havia baixado tanto que mostrava os tocos de árvores e pedras que tem no meio do rio, além de um antigo caminho, que havia sido alagado. Quando a água baixa, a escassez de peixe começa. Graças a Deus, a chuva veio. Melhorou o nível da água, mas é preciso mais investimento para manter a mata ciliar, a beira do rio preservada”.

O operador  lembrou do líder quilombola Flávio Gabriel dos Santos, o Binho do Quilombo, assassinado há dois meses. “Era um dos principais defensores do rio. Organizava mutirão de limpeza e conscientizava o povo porque é um bem de todos. Já participei com eles de plantação na margem do rio”.

Cardoso ressaltou, ainda, a importância do manancial. “Às vezes, a pessoa está em Salvador e não sabe a importância dessa água. A água que eles consomem vem daqui e de outros pontos iguais a esse. É preciso preservar isso aqui para o futuro da espécie humana. Vai chegar um dia em que a água vai ficar escassa. É melhor cuidar enquanto temos. Depois que perder, não adianta correr atrás porque não vai ter mais jeito”.

Ação humana

O gerente de licenciamento ambiental de Simões Filho, Agnaldo Barreto, criticou o descarte de lixo no Muriqueira que chega ao Joanes. “Há um hábito da população de jogar coisas no rio. A depredação dele é também um hábito do homem. Não é só esgotamento sanitário. É uma cultura de jogar tudo no rio”. 

Fonte: Jornal A Tarde

Por: Anderson Sotero